Revista Intermídias
Ensaios Visuais
A terra que falta (em três atos)
Fotos: Rodrigo Rossoni
Texto: Ludmila Brandão
I Ato
Ali, onde a terra se impõe como matéria excessiva e bruta, aprisionando vidas, roubando tempo e marcando corpos, o sonho que se fabrica atravessa o arame farpado, rola no asfalto, se vestindo de cor e artifício.
II Ato
Mas aqui, onde a terra evadiu-se, como matéria e como sonho, onde se perdeu sob o asfalto ou sob o verde homogêneo da grama das praças, sobra para esses garotos cheirar qualquer coisa em lata refugada de coca-cola.
III Ato
Curiosamente lá, onde a terra existe apenas como sonho, esse é o lugar onde ela não falta, seja como idéia, seja como matéria. Lá, sobra chão de barro batido para acolher o bebê que dorme na cama improvisada de cueiro e palha, na casa improvisada de lona, no bairro improvisado do acampamento, na cidade improvisada do conjunto habitacional de casas todas iguais, para onde as crianças seguem alegres, descalças, sem medo. Sobra terra-sonho para inventar futuro.
Rodrigo Rossoni
Fotógrafo, jornalista, Mestre em Educação pela Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo) com pesquisa sobre fotografia e construção de identidade de crianças do MST. Atualmente é professor de fotografia e de comunicação e educação na Faesa e de fotojornalismo na Ufes. Já atuou como repórter fotográfico para vários jornais em Vitória, ES.
Ludmila Brandão
Arquiteta, historiadora, Doutora em Comunicação e Semiótica com pós-doutorado na Université d’Ottawa (Canadá) na área de crítica da cultura. É professora da Universidade Federal de Mato Grosso e autora de A casa subjetiva: matérias, afectos e espaços domésticos (São Paulo, editora Perspectiva, 2002).